Rara Calma

"O que se faz na vida ecoa na eternidade".

domingo, 15 de maio de 2011

"Eis que o inverno passou, cessaram e desapareceramn as chuvas. Apareceram as flores na nossa terra, voltou o tempo das canções. " (Cantares de Salomão 2,11-12)

Ao longo de nossas vidas nos deparamos com momentos que nos fazem parar para pensar e refletir sobre tudo o que nos acontece, e Deus sempre nos convida a experimenta-lo em circunstâncias que muitas vezes nos são caras e dolorosas, experiências que nos levam a estar cara a cara com nossa essência e isso causa muita dor.
Quem nunca se deparou com uma estranha sensação de solidão, de esquecimento, de dor profunda e de noites escuras, frias e de total ausência da presença de Deus?! Momentos assim, nos faz estar mais proximos de nós mesmos e diante de Deus, sem até mesmo que notemos. Sempre que nos sentimos isolados, com a sensação de que nada acontece, que tudo está da mesma forma, que as flores perderam seu perfume e sua beleza, que o céu não atrai mais nossa atenção, que o sorriso de uma criança não nos encanta, que a música que toca não move mais em nós a sensação de bem estar, que as palavras da pessoa amada são sempre as mesmas e não tem mais graça, que tudo, tudo perdeu a graça, Deus aos poucos vai se revelando a nós, e deixando que também sejamos conhecidos por nós mesmo. Tais sensações fazem parte de nosso auto conhecimento, conhecer a nós mesmo nos remete a uma experiencia muito forte com Deus, pois Deus se revela em nossa essência e nossa essência se revela ao mundo.
Não é fácil passar pelo inverno tenebroso, onde as flores perdem a sua beleza, as manhãs são bem frias, quase não encontramos calor para nos aquecer, onde tudo fica diferente, porém, nas coisas simples Deus se revela. Conta-se que num reinado muito distante havia um jovem rei que vendo o sofrimento de seu povo decidiu ser igual a eles, viver como eles, conviver com eles. Na primeira noite em que o jovem rei passou ao relento, viveu na pele o que é passar frio e medo, nada o que estava a frente de seus olhos o agradava, tinha beleza ou prendia a sua atenção. Fome, frio, solidão, desespero foi o que ele viveu!
Na mesma noite Deus o visitou em sonho e lhe disse: "Desce Emanuel nas profundezas do teu país, não temas! Não estarás sozinho, pois vai contigo quem te pode curar, quem te pode salvar!"
Sendo assim, na manhã seguinte o jovem rei, começou a caminhar pelas estradas do reino e viu muito sofrimento, dor, descaso, injustiça, percebeu então ele que nada, nada mesmo do que viu agrava a seus olhos. E nesse descer as profundezas de seu país, o jovem rei encontrou-se consigo mesmo, descobriu quem ele era, qual era sua essência. Deus o permitira passar pelo sofrimento do inverno de sua alma, para que logo, ele experimentasse a beleza e grandiosidade de ser quem é!
Quando nos encontramos com Deus, quando experimentamos de seu amor, caminhamos com Ele e confiamos nEle, Ele mesmo nos faz perceber quem somos, Ele faz com que nosso inverno se acabe, é Ele quem faz as flores exalarem seu perfume, o sorriso da criança ser o rosto risonho de Deus, da canção que toca nos revelar sua vontade, faz com que a pessoa amada nos conduza e nos apresente a Deus, é Ele que nos quecer, que encendeia em nós o seu fogo abrasador.
É tempo de novas canções, tempo de novas melodias, Deus inspira e suscita em nossos lábios canções que modificam os corações, Deus nos faz estar mais proximos dEle. A tristeza é passado, a solidão se foi, o desespero deu lugar a presença maravilhosa do amor!
Cantemos, louvemos, dancemos, Deus nos faz conhecer a nós mesmo através de seu amor. Desçamos as profundezas de nosso país, corramos pelas estradas de nosso país e percebamos quem somos. Nossa essência revela quem somos e revela a grandeza de Deus, pois somos criados à sua imagem e semelhança.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Amar a todos sem preconceito



Alguns de nós ficamos verdadeiramente escandalizados diante da notícia do quanto ainda existem nas sociedades os preconceitos de cor, raça, classe social, condição econômica ou cultural. No entanto, sem que percebamos, podemos estar agindo preconceituosamente em nossas relações com Deus, com o próximo e até conosco mesmos. Este artigo não pretende relatar nem fundamentar as divergências correntes a respeito dos diversos preconceitos sociais, mas nos levar a seguir melhor a Jesus, que venceu todo preconceito humano com o único objetivo de acolher e salvar a humanidade, sem distinção.

Podemos começar refletindo um pouco sobre o que significa o preconceito. Como o termo diz, trata-se de um conceito antecipado a respeito de uma pessoa, coisa ou situação. O preconceito está intimamente ligado às informações que trazemos em nossa memória, de fatos vividos ou conhecidos. Assim, ao nos encontrarmos em uma situação parecida, associamos àquela experiência anterior como se fosse a mesma. O preconceito também está muito ligado à aparência exterior da situação, coisa ou pessoa. Baseados no que parece, podemos julgar algo que não corresponde à verdade. Portanto, o preconceito pode ser em nossa vida um grande engano, uma grande ignorância fantasiada de "saber". E pode aprisionar a nós e aos outros.

Nas relações interpessoais os preconceitos podem ser impedidores de grandes amizades e verdadeiras prisões que encerram as pessoas em rótulos, a partir de atos que cometeram no passado, ou que ainda estão cometendo, mas que nos impedem de vê-la em profundidade, para além do rótulo, ou perceber que são capazes de mudar. Desse modo, agimos nos arvorando de pretensos deuses, quando na realidade nem Deus é preconceituoso com nenhum de nós. Imagine se Deus, que desde o princípio tudo vê, que conhece o nosso pecado e as nossas fraquezas em profundidade, fosse preconceituoso conosco, já há muito teríamos perdido todas as chances de existir. No entanto Ele, que criou o mundo do nada, está sempre investindo em nós, esperando a nossa conversão até o último instante de nossa vida. Se fosse possível humanizar a imagem de Deus a este ponto, eu diria que Deus tem muito mais fé em nós do que nós nele. Sim, porque no fundo de nosso preconceito está a falta de fé em Deus, que a tudo e a todos pode transformar.

A triste conseqüência de nossos preconceitos pessoais é o preconceito social, que tanto nos escandaliza. O preconceito individual pode ser propagado pelas nossas más palavras de tal forma que não seremos mais capazes de deter esta espécie de bomba que às vezes levianamente lançamos uns contra os outros. Tudo pode começar com um comentário, uma antipatia, uma rejeição confidenciada, e a nossa opinião pessoal tão mutável terá sido lançada como um rótulo no outro. E o outro, na sua fraqueza, poderá acabar assumindo este rótulo durante toda a vida enquanto sua verdadeira imagem estará para sempre escondida no coração de Deus. Então seus talentos e tudo o que Deus tinha para fazer através dele fica sepultado como uma semente que não desabrochou.

Jesus e as pessoas socialmente desprezadas e moralmente reprovadas ao contrário dos fariseus de sua época, sempre fechados no pequeno mundo dos seus conceitos, Jesus não classificava as pessoas, ninguém era indigno de se relacionar com Ele, por pior que fosse seu passado. Ele conseguia compreender e valorizar o ser humano independentemente de seus erros, da sua história. Isso não significava que compactuasse com o pecado, mas que acolhia o pecador, fosse qual fosse o seu pecado. Foi assim que agiu com a mulher samaritana, com Zaqueu, com Levi, com a pecadora pública e com todos os pecadores que encontrou. E foi justamente seu amor incondicional que gerou neles a transformação que os fariseus não puderam ver.

Intelectualmente encarcerados, fechados nas suas próprias idéias e na sua falsa moral, muitos deles não conseguiram aceitar alguém como Cristo, que veio para abrir o coração humano e nele introduzir a Lei interior, a Lei do Amor, com o poder de Deus, e não com a espada da condenação. Por isso não lhes era possível compreender por que Jesus "andava com os pecadores", e "fazia refeições com eles". E sua indignação gerou a inveja, que como uma bola de neve levou Jesus a um julgamento injusto. Porém na Cruz, também por eles Jesus pediu ao Pai, porque não "sabem o que fazem".

Assim como aconteceu aos algozes de Cristo, pode estar acontecendo conosco, que tantas vezes nos consideramos "bons cristãos". O preconceito que nos impede de ir até os mais "mal afamados" para lhes dizer que Jesus os ama com atos, muitas vezes esconde a nossa inconsistência interior, porque no fundo sabemos que somos tão vulneráveis como eles, e é apenas um mistério da graça divina que nos impediu de agir como eles.

No entanto, somos continuamente alvo do amor incondicional de Deus, e por isto o mistério da misericórdia e da caridade que acolhe incondicionalmente o outro será sempre um chamado feito a cada um de nós. Em uma de suas parábolas, o Senhor disse que deixará crescer juntos o joio e o trigo até o dia da colheita (Mt 13,24-30). Assim como pobres sempre existirão no meio de nós, porque de alguma forma todos nós somos pobres; pecadores sempre existirão no meio de nós, porque todos somos pecadores, e nenhum de nós sairá dos próprios pecados sem que antes encontremos uma mão que nos acolha como estamos.

O preconceito é um veneno capaz de roer as relações entre famílias, comunidades, igrejas, irmãos, amigos, conhecidos e desconhecidos, e tudo pode começar com um único olhar de julgamento de nossa própria parte. Que o Senhor nos conceda a graça da purificação do nosso olhar, dos nossos raciocínios e sobretudo da nossa memória, para que, escandalizados com as histórias de preconceitos que observamos nos jornais, não estejamos nós a fazer o mesmo.